Marta Morais da Costa
Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe. Ou será: não há mal que sempre dure, e bem que nunca se acabe? Seria otimista e asseguradora a primeira frase? Seria mais moralizadora a segunda? Afinal, ficam no ar e na mente as últimas palavras da frase, e as primeiras precisam ser pescadas de volta. O bem que nunca permanece e se vai com as esperanças de alívio existencial, deixando um rastro de perda acentuada, esse parece combinar melhor com as notícias que nos abalam desde as primeiras horas da manhã.
Em cada nascer do dia, juro a mim mesma que vou encarar a vida de forma mais leve, porque, afinal, ela está cada dia mais curta. Mas é promessa falsa como nota de três reais ou, atualizando, como discurso político em trem elétrico, em palanque desabante ou nas redes-de-sócios.
Por exemplo, levar uma mala leve em viagem lépida de leva-e-traz. Rir sem me preocupar com a foto que me registra mais amalucada, dançar em horas incomuns e de forma despreocupada, sem modismos e gestos previsíveis. Maratonar aquela série moderninha de mortos-vivos (e são muitos os de verdade) ou bocejar nos filmes de márveis voaçantes e sempre-os-mesmos. Levar o cartão de crédito para o shoppping e voltar com a conta quase zerada e uma tonelada e meia de sacolas, cheias de badulaques.
Afinal o que é leveza na vida? Consulto psicanalistas, geriatras, astrólogos, minha sábia mãezinha, aquela amiga amadurecida pela experiência, búzios e livros: o que vem a ser vida leve?
As respostas demonstram o quanto o bem e o mal, além de efêmeros, são um bocado diferentes em cada analista e testemunha. A vida é leve quando só faço o que me dá prazer. Ou o que me deixa feliz e em paz. Ou a sensação que me invade depois de atitudes de desapego: de coisas, de desafetos, do passado, de culpas – mesmo que apenas supostas.
Leve como o ar, as borboletas, os pássaros, os lírios do campo. Leve como Julieta, Orfeu, Eros. Leve como a pluma que o vento vai levando pelo ar. Leve. Leve.
Tambores ressoam: leve pode ser forma de levar. Levar a vida leve. Levar da vida o que é breve. Levar na vida o que me faz levitar: um carinho, um sorriso e aquele lugar. Oi, leva eu(minha saudade)/ Eu também quero ir/quando chego na ladeira/ tenho medo de cair”, na canção de A. Cavalcanti e T. Guimarães, de outras levas .
Será que se pode afirmar que não há vida pesada que não se acabe, nem vida leve que sempre dure? Ou invertendo posições?
Talvez Lenine:
“Há de ser leve
Um levar suave
Nada que entrave
Nossa vida breve
Tudo que me atreve”
De acordo, poeta. Mas onde acho essa utopia de nenhum entrave? Olhei em volta, indaguei, passei pente fino na biografia, lavei as sujeiras do presente e do passado, botei o coração “comovido como o diabo” e travei o exterior. Aí pesou, num viste? Ficou leve e sem sal, tipo arco-íris fugaz, voltei pra mim e decidi: vou enfrentar o mal que acaba e o bem que não perdura.
Afinal leveza é para os anjos e santos, e eu habito muito longe deles. No meio de trovões e tempestades. O peso na alma não acalma, nem alivia. Mas tem dias que a leveza trava e fica lado a lado com a fadiga. E por alguns momentos, seguem juntas, “mão na mão, pé no chão”, cada qual com seu tempo de duração e juntas tecendo o compasso da vida: breve, tensa, leve, densa, breve, tensa, leve, densa…


