
(…)
Eu sei e você sabe
Que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
(…)
Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você
(“Eu não existo sem você, música e letra de Tom Jobim)
Não sei o porquê, mas sei que ela veio. Não sei se eu assim o queria, mas sei que ela veio. Não sei se será útil, mas sei que veio.
A canção de Tom Jobim surgiu como sonoplastia do desejo de escrever a respeito da chegada de mais um ano em nossas vidas.
Quando pesquiso biografias, na infinita curiosidade de saber da vida dos outros e de trazer o que viveram como lição para minha existência, encontro invariavelmente ao lado do nome a informação sobre o ano de nascimento e o da metamorfose para algum estágio que não sei como é. Embora acredite que exista.
É porque são datas extremas e limites do conhecimento racional. Antes de nascer, uma promessa. Depois, ao final, um desejo, em especial de quem fica. Mas as datas anuais ali estão e ali permanecerão. É verdade que os calendários mudam, adaptados a culturas e a decretos do poder. É verdade que nossos mais que antepassados, vivendo em tempos de pouco registro e raros depoimentos, ficam por vezes em limites largos como IV a.C. e século XIV ou a datas cambiantes, como Gutenberg, Dante Alighieri e Shakespeare.
Seja como for, nem sempre se dão importância aos dias, mas os anos, ah, esses, reinam absolutos. Não é raro ao lembrar o passado, que seja ouvida a frase-quase-desculpa não lembro o dia – ou o mês – exato, mas sei que foi em 1954 (ou 1985, ou 2016).
Os anos são imensas unidades de bilionésimos de segundos que escorrem mais velozes do que as corredeiras do rio Iguaçu ou do Sena.
E pesam nos corpos humanos, fazendo com que a lei da gravidade se altere ao longo dos anos. É verdade: mais grávidos e mais graves ficamos à medida que acumulamos primeiros de janeiros. Além disso, morre-se mais jovem em 31 de dezembro do que no dia seguinte, assim o provam as biografias.
Por isso, votos de Feliz Ano Novo têm suma importância nas biografias. Não se trata apenas de etiqueta, afetividade ou carinho. A data tem a ver com saudar a possibilidade de transpor em vida um tempo de dias difíceis & venturosos, de vitórias sobre si mesmo & de derrotas para os fatos da vida. Além de ter podido ultrapassar os longos e tediosos dias de bruma e solidão amarga. (Lembro aqui que existe uma doce solidão que transcende tempos e perpassa os refolhos da alma.)
Aprendi a considerar o primeiro do ano um evento extraordinário porque revela alta carga emocional & exercício de memória & balanço de perdas e ganhos. E, acima de tudo, pela ocasião datada, prevista e necessária das faxinas mentais, espirituais, afetivas & materiais.
É Janus, o deus romano que olha para trás e para frente; e nessa bifrontalidade instaura uma terceira margem. A que compara & une & amalgama o que foi & o que será.
Vá chegando, Janeiro, coloque mais um ano em minha biografia, mais pontes em meu presente. Pontes a unir que marcou o passado & todos os desejos de melhoria para o futuro. Chegue, assente-se no pátio da memória e vá construindo novos fatos, destruindo preconceitos, dando vida e forma a expectativas, boas e más. Acima de tudo, Janeiro, confirme nesta cronista o conceito de que nem todo amor tem que ser triste e, menos ainda, que nem todo poeta tem que sofrer para ser bom poeta.
Confirme, Janeiro, que mesmo o sofrimento mais atroz pode ser filtrado pelo prazer da escrita e que a alegria é companheira inseparável (silenciosa e clandestina), à espreita em todos os momentos ruins que, por sermos humanos, vivemos.
Repita, Janeiro, que o passado ensina a quem é bom aluno; que o futuro em suas utopias sustenta o presente, colorindo, arejando, criando espaços para alguém ser alegre & ser triste.
Venha, Janeiro, mais uma vez, acrescentar vida aos caminhos da vida, criar mais canções de afirmação, repletas de amor & poesia, amantes & poetas. Porque todos os caminhos me encaminham o viver.
Marta Morais da Costa