Magnetismo

Marta Morais da Costa

Foto por Jaiju Jacob em Pexels.com

Se você pensa que leitura é atividade para sedentários, para velhinhos solitários, para esquisitões que adoram posar de intelectuais, para desempregados que precisam dar um up em seus conhecimentos, para aqueles entediados que buscam emoções em romances apimentados, enfim, para viajantes confinados pela pandemia que, na falta de viagens reais, buscam nos livros os países que não podem visitar, então, me desculpe: você está sendo restritivo, equivocado, talvez até preconceituoso.

Se você aí, prefere outras atividades mais emocionantes ou recompensadoras que a leitura, tipo viagem para qualquer lugar (até em volta de seu bairro), ou prefere o suor das academias, ou até mesmo o balanço das ondas sobre um barco ou deitado na areia. Ou uma visita ao shopping com todo o stress e aqueles encontros inesperados que acabam em café frio ou virada de rosto para não encarar o inimigo. Ou uma sessão de cinema, perfumada pelo ranço da manteiga da pipoca super-salgada. Ou a conversa de bar que acaba invariavelmente com seu humor no dia seguinte, embebido em uma ressaca homérica. Ou…ou… Me perdoe a franqueza, mas você está sendo restritivo, equivocado, desperdiçador dessas energias que desmobiliam o cérebro.

Leitura será para poucos? Para os experts que identificam já na primeira frase proferida se o falante lê de verdade ou se prefere apenas ouvir seletivamente o que lhe trazem os ventos das telas, dos fones e das bocas com pouco investimento cerebral? Ou poderia ser para todos, rompidos os grilhões de preconceitos e paralisias?

De criança eu achava ler a coisa mais adulta e difícil do mundo. Uma espécie de mágica, aquela de tirar daqueles desenhos em linha coelhos de palavras, pássaros de ideias, borboletas de histórias, árvores frondosas de sentimentos pra rir e pra chorar.

Assim. Uma pessoa chega, como se fizesse isso há anos, com um objeto retangular que ora engorda ora emagrece e muda sempre de vestido, senta (e até fica em pé, se for preciso), tira a roupa do retângulo, ventila as dobras das anáguas, abraça as linhas e entrelinhas com olhos devoradores e que dançam de cima a baixo, acompanhando silenciosa partitura em passos cadenciados, de lá pra cá, de cá pra lá.

Se perguntada o que faz, responde lentamente: “Leio…arrisco…me entrego.”

Continuo na clave da infância, porque diante dessa espécie singular de ser humano, saio com pontos de interrogação nos olhos, na mente, na memória: “Como pode? Como? Deve ser uma mágica ancestral, aprendida com xamãs poderosos, que nem a mais avançada tecnologia consegue vencer.”

Religiosamente, toda ferromagnetizada, atravesso as ruas e me rendo ora a livrarias, ora a bibliotecas imantadas, onde vou viver por um tempo sem relógio no campo magnético da escrita. Aprendendo uma pouco mais sobre as operosas artes das fórmulas, rituais e símbolos da leitura.

Sem restrições, sem preconceitos, sem desperdícios.

Árvores

Marta Morais da Costa

Foto por Darius Krause em Pexels.com

Eram árvores vizinhas.

Uma de largas folhas. Outra de delicada folhagem.

Cada uma a produzir flores em diferentes épocas do ano. Uma lançava grandes cachos amarelados na primavera. Outra se enfeitava de pequenas flores roxas no verão.

Uma erguia-se com tronco despido e coroa exuberante. Outra se espalhava em finos galhos, multiplicados e indomáveis ao longo de todo o tronco.

Encontravam-se as duas no alto quando galhos e folhas ficavam tão próximos que as árvores pareciam conversar com intimidade.

Mas era quando o vento punha em movimento a massa verde que elas melhor se definiam. Bastava a brisa chegar que o diálogo manso começava. Eram delicadas palavras de amizade, eram juras de fidelidade, eram sussurros de esperança.

Quando se anunciava a tempestade, e o vento agredia as ramagens, a fúria se instalava. Só se ouviam queixumes, gritos e palavrões. O choque dos galhos era tremendo. Vez ou outra vinham ao chão as folhas mais sensíveis e as pequenas ramas enfraquecidas. O chão cobria-se com os restos de uma batalha floral.

Era, porém, nos dias claros da primavera, em que o vento – criança imprevisível – ora golpeava, ora acariciava, que as duas árvores vizinhas mais se assemelhavam aos humanos. Na lufada mais violenta, se debatiam, misturavam-se com força. Ora se impunham, ora eram feridas.

No entanto, quando o vento amainava, tocavam-se delicadamente, trocavam palavras gentis, e uma delas espargia sobre a outra pétalas douradas, que selavam sua intimidade, como beijos e carícias para sempre.

Até o próximo confronto, eram duas árvores destinadas a viverem próximas e unidas até a morte.