Marta Morais da Costa
Na montanha, as cabras se dispersaram, cada qual em busca de novas plantas rasteiras para se alimentar e cumprir sua sina de sobrevivência e produção de leite.
Atrás de um robusto pinheiro, o lobo as observava, faminto e paciente. Sabia que era comum alguma cabra distraída afastar-se do rebanho e colocar-se voluntariamente em perigo. Seus ancestrais eram exímios caçadores e ensinaram como agir diante da imprevidência caprina.
Naquele dia, o sol forte deixava um rastro de cansaço e sonolência na paisagem e nos animais. Uma cabra experiente aconselhou à jovem e distraída cabra a precaver-se dos lobos e a não se separar do rebanho.
Mas cabras jovens são arrojadas e desobedientes. E, além disso, logo ali, entre pedras e um fio d’água que descia da montanha, havia um tufo de erva macia e apetitosa, como que a chamar por ela. A jovem cabra dirigiu-se para moita e ficou escondida do rebanho pelas pedras.
O lobo percebeu que era sua oportunidade de almoçar. Sorrateiramente aproximou-se. A cabra só percebeu sua presença quando já estavam frente a frente.
– A grama está macia, senhorita? , perguntou o lobo.
A cabra não titubeou:
– Muito macia, senhor! Quer dividir comigo?
– Não, obrigado. Não como ervas. Prefiro carne.
– Faz mal, senhor. Carne envelhece e pode causar vários problemas de saúde, inclusive tumores malignos.
O lobo ficou surpreso. A cabra não havia se assustado com sua feroz aparência. E ainda tinha o desplante de lhe dar conselho! Inclusive usava uma linguagem complicada…
– Engana-se, mocinha. Meus antepassados já comiam carne e, que eu saiba, nenhum deles morreu dessas palavras difíceis aí.
A cabra percebeu que o lobo ficou assustado com o que tinha ouvido. Aí resolveu exagerar. Abriu bem os olhos, franziu os pelos da testa, caprichou no cabrês e disse candidamente:
– Veremos o que o senhor dirá quando suas entranhas forem sendo destruídas e a dor o fizer uivar dia e noite, sem remédio. Dizem que são doenças terríveis, daquelas que só se deseja para o pior inimigo…
O lobo começou a duvidar de sua fome. E se ela tivesse razão? Nos tempos modernos tudo havia mudado. Quem sabe os lobos atualmente não seriam mais vulneráveis à carne? Quem sabe as cabras também fossem diferentes, com um organismo mais envenenado e comer sua carne seria perigoso?
Na dúvida, afastou-se e desapareceu entre os pinheiros.
A cabra voltou tranquilamente a degustar a moita verde e macia.
Morais da história:
A informação, quando bem utilizada, salva vidas.
Ser jovem não significa ser ingênuo.
Os tempos mudaram, assim como as fábulas.