Sobre o amor e a guerra

Foto por Theodore Ferguson em Pexels.com

Marta Morais da Costa

Antigamente no Paraíso, os animais andavam, caçavam, comiam e adormeciam. Eles abriam a boca, mas nada se ouvia. Eram todos mudos. Embora o Paraíso estivesse povoado por seres vivos, mas não se ouvia nenhuma voz.

O silêncio habitava o Paraíso.

Um dia, um beija-flor enamorado tentava mostrar seu amor – batia as asas, girava seu corpo, dançava, fazia caretas e trazia um buquê de insetos para oferecer à sua bem-amada.

Na angústia de expressar seu amor, ele perdeu a respiração, engasgou-se e começou a tossir. Entre os ataques de tosse, ele percebe um som estranho que sai de sua garganta e descobre que o ar produziu um barulho agradável.

Então ele tenta diferentes movimentos de bico e outros ritmos feitos pelos golpes de ar. Pouco a pouco nasce um canto em sua garganta, que corta o ar e acaba com o silêncio.

Os outros animais ficam espantados. O que era aquilo?, se perguntam, entre assustados e curiosos. Então, eles também principiam a fazer barulhos com a garganta. Surgem urros, guinchos, zurros, relinchos, latidos, bramidos e cacarejos. Mas somente os animais enamorados conseguiam produzir sons sedutores e agradáveis.

O Paraíso ficou, assim, cheio de música e conversas.

Mas o amor também faz suas guerras. E rapidamente gritos, rugires e sons agressivos vêm criar a assonância de uma música de guerra. A mesma voz que fala de amor, fala de sua morte. E até mesmo expressa ódio.

É por causa dessas contradições que os sons do amor se escondem e não se mostram senão em momentos especiais. Muito raramente.

Esta é uma história que se conta para explicar a origem da voz dos animais.

Além do mais, é por isso que o amor e o Paraíso, ele também, contêm espaços de Inferno.

HENRY BOREL (E MAIS 2000)

Marta Morais da Costa

Ele não conheceu a altura em longas pernas

não subiu em árvores não transpôs os mares

não trocou os dentes nem usou lentes

amigos raros brincadeiras poucas

as letras para ele continuaram enigmas

não passou do berço à cama

do pijama à beca ou terno

diplomas e salários não recebeu

não visitou Paris nem Pequim

não sofreu amores

não viveu a paternidade.

++++

Silenciado, imóvel e seviciado,

deixou a infância e a vida

entregues à sanha pérfida

do adulto, brutal disciplinador,

deformidade humana

ungida pelo manto

do silêncio,

da violência

da vaidade

da prepotência.

Necrópole

Foto por Ellie Burgin em Pexels.com

Marta Morais da Costa

Em vão o desamparo clama sua impotência.

Perdem-se na noite os ais sem remédio.

Nada retorna a não ser o escárnio

do Olimpo de fados sinistros.

Remorso não cabe, consolo não há.

A resposta de impassíveis deuses

pune, asfixia, consome, reduz a pó.

Bartolomeu Campos Queirós

Palavras que continuam vivas.

“Gostaria de viver numa sociedade em que não fôssemos dirigidos pelos caprichos de alguns, mas num movimento estabelecido pela soma de todos nós. Num mundo pleno de dúvidas, uma vez que para mim a dúvida nos torna mais cuidadosos, mais cautelosos, mais delicados com as relações. Quem supõe ter encontrado a verdade passa a um estado de fanatismo. E isso no exercício do poder é muito perigoso. Meu sofrimento advém de estar e viver numa sociedade tão injusta, em que as diferenças não concorrem para o enriquecimento, mas a diferença é apenas uma maneira de dividir os homens em classes. Sofro por viver em uma comunidade analfabeta, como eu, marcada pela impossibilidade de ler o seu entorno, uma sociedade em que o sofrimento nos impossibilita de participar da poesia existente. Uma vez que as necessidades básicas são mais prementes.”     

(Bartolomeu Campos Queirós. Literatura: leitura de mundo, criação de palavra, 2002).