Ler poderia ser…

Marta Morais da Costa

Ilustração de Poty Lazarotto para Sagarana, de Guimarães Rosa.

Ao longo dos anos em que trabalhei com leitura e formação continuada de professores, não foram poucas as vezes em que eu surpreendia os olhares descrentes dos ouvintes diante de minha afirmação de que leitura não é prazer – assim, definitivo, moralista, fechado – e sim um trabalho, que requer operosidade de todos e de cada um dos leitores. Ou já cansados antes mesmo de iniciar o trabalho. Ou secos e áridos diante da necessidade de postergar as possíveis lágrimas de prazer. Ou demissionários antes da ação, dada a exigência de muito mais trabalho.

Era melhor promover na leitura do texto literário o imediato bem-estar da mesmice, o riso solto do trocadilho sediço, a inoperância da historieta desengonçada e sebosa do texto estereotipado. Nada do trabalho cuidadoso, exigente, minucioso, envolvendo corpo e Inteligência e repertório e reflexão e tempo estendido. Mais fácil a resposta primeira e já formatada. Mais fácil a emoção do arrepio do que a conquista do sentido pessoal e significativo.

Para não cansar leitores e mediadores, sobrevivem uma escola que patina em seus índices há mais de vinte anos e uma população à mercê de qualquer notícia falsa, mas espetacular; reféns de nem-nens e de espertalhões, submissas ao atraso e minimizando (ou pior, desdenhando) o conhecimento.  

Um país que, mesmo mudando os parâmetros, perde leitores continuadamente, não pode crer nas palavras citadas a seguir, porque seria reconhecer a própria falência.

“Ler um texto não é tarefa simples, requer competência. Requer atenção, memória, concentração, capacidade de relação e associação, visão espacial, certo domínio léxico e sintático da língua, conhecimento dos códigos narrativos, paciência, imaginação, pensamento lógico, capacidade para formular hipóteses e construir expectativas, tempo e trabalho. Um texto é um constructo que é preciso desconstruir e reconstruir e isso exige esforço, embora não signifique que seja isento de prazer. Ler não é resolver uma palavra cruzada, mas é sim encontrar um sentido. O sentido não é a famosa mensagem da qual tanto se falou (ou mal falou) em outros tempos, ou melhor, não é uma mensagem que se desate do texto, mas a mensagem que é [o texto]. O sentido do texto não é algo que se acrescente ao texto, é, repito, o próprio texto. O texto é parte invariável da leitura, o seu pilar, e o espaço comum de todas as leituras, e o fato de que estas sejam variáveis e diferentes não procede de nenhuma qualidade imanente, mas sim dos diversos fatores que se cruzam e entrecruzam durante o processo de leitura.”

(Constantino Bértolo. O banquete dos notáveis: sobre leitura e crítica. Livros da Matriz, 2014)

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