Marta Morais da Costa

Em noites de super-Lua, me surpreendo em repentes de nostalgia e recordação de tempos idos. Deve ser porque a nada cândida hospedeira de São Jorge e de seu dragão de estimação manda em nosso humor feminil.
Ah, as mulheres!! Nada de “piuma al vento”, esse instrumento de suave agressão masculina ao querer definir nossa desafiadora multidimensionalidade e diversidade cambiante por excesso de interesses! Somos capazes de viajar em pensamento por diferentes rotas e em diferentes veículos e sempre chegar a um ponto único de destino: o de nossa sagaz e autóctone satisfação com a vida.
E sem deixarmos de ser dramáticas, apaixonadas e eternas sofredoras ficcionais.
Mas o assunto não era esse universo feminino genérico e meio exagerado. A super-Lua continua a brilhar e a objetividade bate à porta. Do que mesmo você tratar em seu texto, ó cronista divagante?
Algo a ver com nostalgia. Em minha índole conservadora – neste estágio da vida, devidamente enrijecida – os objetos são presenças quase íntimas devido ao longo tempo que convivem comigo. Ainda cumprem suas funções, meio cansadinhos, com visual que envergonha meus filhos.
– Mãe, que tal trocar o liquidificador? Você ainda tem esse celular lento? Sabia que existem panelas de inox? Câmbio mecânico, mãe?
Pois é, como são Jorge continua lá, não deixa seu cavalo e nem faz amizade com o dragão, meu carrinho também não visita outras garagens, nem quer saber de um pezinho menos leve para pisar em sua embreagem ou uma mão mais magra pra repousar sobre o volante de direção.
Mas o carrinho garboso precisa de periódicas revisões, cada vez em períodos mais curtos. Por isso, telefono pra oficina e me atende seu Jorge (outro):
– Ah, a senhora vai trazer pra revisão? Ainda é o mesmo carro?
Aquele ainda quase rompeu minhas coronárias. Nem tive coragem de perguntar se o ainda era curiosidade, ironia ou deboche. Vai que fosse esse último…Daí até o coração iria à falência.
– É seu Jorge, é o mesmo. (um pouco de rosa forte no rosto: ainda coro como velha adolescente) . Intimamente jurei pra mim: será a última revisão, seu Jorge. Vou trocar de carro.
Essa conversa e seus protestos de renovação aconteceram no mês passado.
Meu belo corcel agora tem um motor silencioso, a troca de marchas parece acontecer na maciez de um carinho, os pneus deslizam suavemente, até a buzina ficou mais forte. Mágica de um certo Jorge.
Como posso trocar esse velho amigo? E essa super-Lua falando de amores e entusiasmos? Quase que sozinho, o carro estaciona no mesmo espaço da garagem, se duvidar dentro das mesmas medidas de largura e comprimento do piso. Volta pra casa e vai descansar.
Quem sabe no próximo ano eu procuro um novo carro? Depois de uma última revisão, viu, seu Jorge?