Marta Morais da Costa
A proximidade do início da primavera lhe trazia uma sensação de fragrância florais, brisas instáveis ao sabor do passar das horas do dia, a expectativa de melhor humor e passeios tranquilos à luz do sol de raios amenos.
Mais do que isso: mal se anunciavam os tons róseos da manhã, já estava às voltas com o aguar das flores, a sensação de um novo e promissor dia de vida e os preparativos do café a dois, silencioso, mas cheio de pequenas atenções.
Só que não.
Os olhos foram o primeiro alerta: secos, doloridos, como se mergulhados em areias desérticas. Logo a respiração perdia sua leveza quase imperceptível para ganhar arquejos de pouco fôlego.
A janela do apartamento deu o alarma: o horizonte perdia a limpidez para acinzentar, embaçar e quase esconder a linha do horizonte. A noite parecia sofrer para ir embora e permanecia em surda batalha com as margens do dia.
A imagem idílica de amanheceres em poética quietude embaçava-se igualmente. A rinite tomou conta de sua respiração e de seu dia, que começava se liquefazendo em rotinas de cuidados e socorros. Os anúncios do corpo eram de incômodos e mal-estares.
Entre a surpresa e a ansiedade, o olhar lançado ao exterior através da janela do quarto foi ganhando mais compreensão: a linha cinzenta era mais espessa e mais alongada do que a cotidiana poluição. Trazia em sua cor mais definida uma pressuposição de ameaça.
Pelas frestas de portas e janelas o velho novo monstro insalubre trouxe as sobras da natureza em combustão. O ar monoxidal, carbonífero carbonizador, espalhava o mal-estar, furava pulmões em agressiva invasão, tomando posse de espaços, telas, corpos em absorção ingênua, movimentando formigas humanas sem proteção pelos caminhos de hospitais, clínicas, enfermarias e sofrimentos.
Entre lágrimas e coriza, ela padecia a asfixia de um tempo e uma sociedade agora desvalida por força de suas inconsequentes atitudes de descaso e desleixo.
Plantas e troncos, bichos e águas, envoltos em fogo e fumaça apontavam dedos carbonizados para assassinos Neros a tocar não harpas, mas fósforos e isqueiros em combustíveis.
Enquanto isso, prisioneira do horror, ela sonhava umidades e verdes, cada vez mais distantes e imaginários. E ela contava para ninguéns a bucólica narrativa, versão pastoral, de camponeses cantando em versos aos sons de flautas, a natureza risonha de “verdes mares bravios” de uma terra de palmeiras, embelezada pelo nome sonoro de Pindorama.
Enquanto isso, chegavam notícias de acordos e conchavos protelatórios, cozidos em negociatas ao fogo de agonizantes árvores e cerrados, em crepitações eleitoreiras.
Criavam-se os sulcos de nova e flamante transamazônica viajando em um sinistro corredor de fumaça.

