A guerra e a poesia

ERA A ÉPOCA DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Um dos maiores representantes do catolicismo francês, Charles Péguy, usava metáforas marciais que cabiam como uma luva no percurso de jovens educados para a vida militar como Antônio [o filho mais novo da Princesa Isabel e de Gastão de Orleans, conde d’Eu]. “Deus me dê a batalha, os inimigos, as multidões a urrar, todos os combates de que serei capaz.” Dizia haver “uma necessidade de heroísmo que abraçava toda uma geração”, uma necessidade de “guerra militar e de glória militar, uma necessidade de sacrifício e até de martírio, e sem dúvida uma necessidade de santidade”.

Apesar das belas palavras, a guerra se revelou bem pior do que se imaginou. A França vacilou, orgulhosa do fim do conflito, mas incapaz de afrontar suas perdas: mil homens por dia. Durante o conflito, um milhão e quatrocentos mil franceses perderam a vida e um milhão retornou inválido, estropiado e desfigurado. O que iria durar meses durou quatro anos. As cicatrizes mais profundas não estavam visíveis. A guerra vista como uma nobre cruzada para restaurar valores como disciplina, honra, fé e progresso transformou-se num massacre mecânico sem precedentes. Os signos de um desespero tranquilo estavam em toda parte. Muitos fugiam das lembranças dolorosas num hedonismo frenético.

A guerra mostrou que virtudes como fidelidade e tradição não levavam mais ao sucesso., e sim ao fracasso. O pós-guerra deixou entrever o desengano com o progresso, o desespero diante de descobertas científicas transformadas em armas poderosas, a solidão diante da perda da religião e a consciência da mediocridade da vida. Os “anos loucos” foram a resposta dos sobreviventes. Em Montparnasse e Montmartre, o jazz, os cabarés, o movimento surrealista, a “dançomania” e a cocaína atraíam uma geração nova que repetia: “Nunca mais isso!”. Um narcisismo extravagante encarnado por artistas e escritores asfixiava de vez os valores das décadas anteriores.

(Fonte: Mary del Priore. Segredos de uma família imperial: a vida da Princesa Isabel, de Gastão conde d’Eu e dos príncipes D. Pedro, D. Luís e D. Antônio no exílio. Rio de Janeiro, Planta, 2024.  p.183)

Comentário

Neste tempo de guerras, um fragmento de discurso histórico, matizado pela poesia da linguagem. Poesia que se manifesta também na descrição do trágico e do cruel. Nada consegue, entretanto, esconder o horror nem as justificativas insanas. O tempo se esvai, mas os conflitos armados permanecem, mostrando o alto grau de violência, ambição e desumanidade de que os seres humanos são capazes.

Sobre escrita e leitura #2

Marta Morais da Costa

“Um sábio disse um dia que o amor de uma mulher era como uma tabuleta envernizada de superfície virgem, na qual elas têm o hábito de depositar a memória. Apagando com um pouco de saliva o primeiro nome que escrevem, aquele que vem em seguida é escrito por cima. Semelhante a uma tabuleta branca é a alma das mulheres. Se hoje és tu que estás escrito, amanhã elas te apagarão. Não é preciso mais que um dia, meu senhor, pois o amor delas é feito de verniz, para que possam colocar Pedro lá onde estava escrito Juan.”

(Fala de Beltrão, personagem de “O Príncipe perfeito”, comédia de Lope de Vega (1562-1635)).

Em seus 73 anos de existência, Lope de Vega escreveu aproximadamente 2 000 peças de teatro, segundo seus biógrafos. Contemporâneo de Shakespeare (1564-1616) superou o dramaturgo inglês em idade, produção dramatúrgica e filhos. Lope de Vega era mulherengo , segundo os biógrafos, envolveu-se em alguns escândalos e procriou 15 filhos. Nessa matemática exagerada, o espanhol é um dos mais significativos autores teatrais da história ocidental. É dele uma as mais importantes peças de nossa cultura teatral: “La vida es sueño” (“A vida é sonho”), em que brilhantemente registrou para a posteridade uma das metáforas mais justas e belas a respeito da vida, ela é o sonho que o tempo alimenta e interrompe.

Deixando de lado esses dados biográficos, rápidos e lacunares, faço um pequeno comentário a respeito dessa fala de Beltrão, dirigida ao príncipe em tom de ensinamento: as mulheres são volúveis, tal qual a “piuma al vento”. Essa qualidade atravessou os séculos e continua a transitar por eles.

A relação é estabelecida pelo personagem no pentágono fechado e definitivo mulher-amor- tabuleta-escrita-memória. Definitivo ao menos para Beltrão. Escrever o nome do amado e apagar com a saliva tem um quê sensual e ao mesmo tempo mortal: da boca sai o esquecimento, o apagamento, na atualidade diz-se cancelamento. De onde saem a fala e os beijos, que dão vida ao amor, também é produzida a substância que o cancela. Do corpo de que partem as flechas de Eros também emanam as substâncias de Thanatos a matar o amor.

Mas a saliva é também curativa: permite que um novo amor possa nascer e ser registrado: Pedro substitui Juan na dança do afeto.

Mais grave, no entanto, é considerar que o escrito contém a memória da mulher, que se apaga voluvelmente. Uma mulher sem memória está fadada a perder sua história. Ou a permitir que quem a descreve a considere volúvel como “a pluma que o vento vai levando pelo ar”. Ai, os versos lindos da canção “Felicidade”, de Vinícius de Moraes, em “Orfeu negro”, um filme com Brasil e brasileiros, cantado e falado em português, ganhador do Oscar de filme estrangeiro em 1960, que foi contabilizado para o cinema francês, cujo diretor e cujos patrocinadores fizeram jus em levar para a França a estatueta dourada.

A mulher e a felicidade, plumas ao vento, talvez tenham adquirido novos contornos e outras qualidades ao longo da História. Mas a ideologia que representam não se mantém entre os limites dos séculos. E na interminável guerra dos sexos, não é raro encontrarmos beltrões a alertar outros homens sobre a facilidade com que as mulheres trocam pedros e joões.

Na dança das cadeiras amorosas, talvez hoje haja tabuletas, escritas e posteriormente apagadas com saliva, nas mãos de homens e mulheres de pouca fé e fidelidade.

Por isso, que o dia 8 de março bem próximo permita registros menos indeléveis nas tabuletas que constroem a história e a memória dos amores.

Sobre escrita e leitura #1

“Ordenei que as letras maiúsculas fossem feitas de metal brilhante, para que o aspecto material, na falta de ideias, valorize o preço do livro (são os árabes, talvez, que trouxeram até aqui o ouro graças ao qual brilham as primeiras letras dos textos). Encomendei a pintura das outras iniciais em vermelho ou verde, para que a obra inteira tenha um brilho mais admirável, de modo que, aqueles a quem a riqueza de expressão for incapaz de seduzir, serão, ao menos seduzidos pela aparência do manuscrito.”

BAUDRI DE BOURGUEIL (1045 – 1130), abade da abadia beneditina de Saint-Pierre–de-Bourgueil, mais tarde arcebispo de Dol-de-Bretagne. Cronista, prosador e poeta.

Citado em Roger Chartier. Inscrever & apagar: cultura escrita e literatura (séculos XI-XVIII). SP: Editora UNESP, 2007, p.30-31.

Comentário :

Ao ler esse fragmento, pensei cá com meus livros: “para que o aspecto material, na falta de ideias, valorize o preço do livro” associo aos livros infantis lindos, pop ups, com páginas espelhadas e imagens deslumbrantes, facas, recortes, explosão de cores, papel couché, brilhos e pesos, capa dura, um luxo só.

Mas vigora mesmo é a fábula de Esopo:

O CÃO E A MÁSCARA

Procurando um osso para roer, um cão encontrou uma máscara: era formosíssima e de cores muito belas e animadas.

O cão farejou a máscara e reconhecendo o que era, desviou-se com desdém.

– A cabeça é realmente bonita – disse – mas não tem miolos.”

A fábula vai transcrita, assim, nuazinha, sem a moralidade final, que é translúcida, evidente, gritante.

Chocante mesmo é verificar que o poeta medieval anteviu nossos tempos e lascou uma definição tipo moralidade feicebuquiana:

“aqueles a quem a riqueza de expressão for incapaz de seduzir, serão, ao menos seduzidos pela aparência do manuscrito.”

Esses leitores-consumidores tão obcecados por ouros e brilhos, caindo nas armadilhas das aparências brilhantes, atropelando e ignorando “a riqueza da expressão”. Lendo o vazio em embalagens de ouropéis, brilhos de ouro de tolo, capas sedutoras e títulos tragicomicamente bombásticos.

Do século XI ao XXI e de volta ao XI. Em marcha à ré.

Sobre literatura – #1

“O valor da literatura reside justamente nessa experiência que autores e leitores vivenciam ao manusear a linguagem literária. Por ser única, pessoal e intransferível, por ser uma experiência singular de linguagem, por ser uma construção simbólica feita somente de palavras, a experiência literária é extremamente libertária e humanizadora. Por meio dela, como já anunciava Roland Barthes em sua Aula (1980), podemos assumir o lugar do outro sem deixar de ser nós mesmos, rompemos com os limites do tempo e do espaço da realidade histórica a que estamos irremediavelmente presos, significamos e ressignificamos nossa vida e nosso mundo em outras tantas vidas e mundos. Em suma, pela relação intensa com a linguagem enquanto linguagem e construção simbólica do mundo e de nós mesmos, , que é o fundamento da experiência literária, nos libertamos das constrições e dos ordenamentos que nos são dados socialmente e nos fazemos verdadeiramente humanos. Por ser linguagem simbólica, palavra imaginada, a literatura guarda em si todos os sonhos do homem e a experiência literária nos revela que não há sujeito ou mundo impossível de ser sonhado (Paulino e Cosson, 2009).” (p.179)

COSSON, Rildo. Paradigmas do ensino da literatura. SP: Contexto, 2020.

Breve comentário

Não é um belo fragmento que eleva e seduz? “Não há sujeito ou mundo impossível de ser sonhado”? Então, por quais bateladas de água os leitores andam sumindo, as livrarias vendendo canetas cadernos e quejandos, porque os livros empacam e estocam-se nas prateleiras e a literatura não atrai baratas nem traças nem moscas? Para convencer uma criança digital e um adulto mais indigitado ainda, só com filmes muita saliva e olhinhos revirados de prazer carmenmirandado pra dizer: leia, você precisa pensar, largar mão de ser pau-mandado abrir os olhos pro mundo e o cérebro para pensamentos de segundo grau. Nem assim: literatura é Oscar de inutensílio garantido e coisa pra babaca.

Hoje estou incrédula. Perdão aos meus amigos e mestres. Mas não largo a mão de vocês por razões de sobrevivência e um tanto de teimosia: vamos de sonhos e poesia que atrás veio gente e tem muita na nossa frente.

Foto por Leah Newhouse em Pexels.com

Sobre formação de leitores – #1

“Bettelheim e Zelan (1982) consideram a aprendizagem da leitura a experiência mais importante de crianças da escola fundamental – tão importante a ponto de determinar os níveis de sucesso ou de fracasso durante todos os anos escolares. Bettelheim e Zelan descobriram que a forma como as crianças são ensinadas a ler é vital para o sucesso delas. Eles propunham que os professores podem e devem apresentar a leitura como uma atividade valiosa, significativa e divertida. Além disso, sugerem que as competências dos professores, juntamente com considerações afetivas, são os fatores mais importantes relativos ao aprendizado da leitura, ‘independentemente do que a criança traz de casa’. “

Eugene H. Cramer & Marrietta Castle (orgs). Incentivando o amor pela leitura. Artmed, 2001. p.83.

Breve comentário: Relevante a responsabilidade atribuída aos professores do ensino fundamental, principalmente dos anos iniciais. Não basta a afetividade. São necessárias competências intrínsecas ao ato de ler e à escolha de textos. Desde quando a formação em Pedagogia prepara os profissionais para essas competências? E serão eles os responsáveis pelos leitores durante o percurso escolar, universitário e na vida pessoal. Pensemos no resultado aviltante para o país que a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil fotografou a respeito da perda de leitores, coisa de sete milhões, e das fontes de cultura em que os brasileiros estão indo buscar conhecimentos, ideias, comportamentos, estéticas e, acima de tudo, ética.

Foto por Leeloo The First em Pexels.com

Sobre poesia – #1

“A poesia”, escreveu [T.S.] Eliot em O bosque sagrado, “não é um desbordamento de emoção, mas uma fuga à emoção; não é expressão da personalidade, mas fuga à personalidade. É claro, porém, que somente aqueles que tenham emoção e personalidade sabem o que significa querer fugir-lhes.”

Citação extraída do excelente livro de Edmond Wilson, O Castelo de Axel, publicado em 2004 pela Companhia das Letras, à p. 137.

Rápido comentário: Leitores que somente consideram poéticos os versos que arrepiam, fazem chorar ou rir, causam impacto emocional ou apresentam correspondência equitativa entre vida e obra do poeta e , principalmente, só têm qualidade se apresentam correspondência por igual com a vida do leitor (“Ah, bem isso que vivi e senti ou de que sinto saudade” e por aí afora) – e até se transformam em influenciadores digitais – são leitores em formação, em fase inicial, falta-lhes muita leitura e aprendizado.

Foto por Anete Lusina em Pexels.com

Literatura oral e cultura

Wolff, Fausto. A milésima segunda noite: história do mundo para sobreviventes. Rio de Janeiro, Bertrand do Brasil, 2005. p. 569-570.

“Como Paulo Rónai, amo histórias, principalmente as que me são contadas.  Sócrates só acreditava em cultura oral, pois era explícita e contava com o talento do narrador.  Achava que, uma vez escrita, ficaria à mercê de interpretações medíocres.  Felizmente Platão, pelo que parece, estava lá para tomar nota das palavras do mestre. 
Gosto de contar histórias e, geralmente, em aniversários de amigos, costumo fazer um discurso para marcar o acontecimento.  Infelizmente, este salutar hábito de contar histórias perdeu-se no Brasil.  O neoliberalismo fez com que as pessoas se afastassem umas das outras, elas não têm mais tempo para nada.  Ou estão atrás de um emprego, ou têm medo de perdê-lo.  Tornando-se proprietário, o homem tornou-se também escravo da sua propriedade e de tudo o que vem com ela.  Graças a isto e aos meios de comunicação, a sociedade imbecilizou-se a tal ponto que é incapaz de construir uma frase com mais de quinze palavras.  Até mesmo o nosso povo – de tão rica cultura – ficou bobo e suas discussões nos botequins que há alguns anos eu tanto apreciava e muito aprendia tornaram-se grosseiras, pobres, vulgares, grotesco reflexo da classe dominante.
Enquanto escrevia este livro, reli duas vezes As mil e uma noites, seus aforismos, pensamentos, preceitos, máximas, devaneios e desvarios.  São mais de quatro mil anos dentro de um livro.  São muitos os autores anônimos e cada um tem um estilo diverso, cada um nasceu num século diverso.  São histórias que vêm da China para o Egito, onde são adaptadas antes de viajarem para a Índia para depois acabarem no Japão ou no Camboja.  Todas louvam a vida que tanto maltratamos.
Hoje temos computadores, verdadeiros cinemas em casa, aparelhos de som com os quais Mozart não ousaria sonhar, aparelhos de TV, de rádio, aviões supersônicos, telefones celulares.  Só não temos o que dizer uns para os outros.  Só não sabemos mais fazer as pessoas sorrirem, chorarem, se comoverem com nosso talento.  Antes da invenção do trem, as famílias de conhecidos marcavam encontros através de cartas que levavam semanas para chegar: ‘Em setembro de 1779 eu e minha família sairemos de Londres para visitá-los em Amsterdã.  Esperamos chegar antes do Natal.’  No caminho, os viajantes descobriam novas flores, remédios, animais, enriqueciam o espírito.  Hoje os homens de negócios viajam do Hilton de Montevidéu para o Hilton de Nova Delhi em poucas horas e da paisagem nada mais conhecem do que os hotéis decorados pelos mesmos decoradores sem alma.
‘Um povo jovem como o nosso que tem sua cultura interrompida, roubada, está condenado a tornar-se um país de zumbis.  Onde estão nossa literatura, nosso teatro, nossa música, nosso esporte, nossa imprensa?  Onde está a nossa cultura que muito tem a ver com o verbo tradire (passar de uma geração para outra)?  Escravos do dinheiro, já nem sabemos nos divertir inteligentemente.  Pensem nisto: as canções de roda vicentinas (da época de Gil Vicente, como Teresinha de Jesus, Atirei um pau no gato, O cravo brigou com a rosa e centenas de outras) atravessaram o Atlântico e aqui foram adaptadas aos nossos costumes.  Essas histórias resistiram mais de quinhentos anos e foram destruídas por programas de televisão para pedófilos e crianças, como os da Xuxa e muitos outros.  Quando estive na Dinamarca há alguns meses, meu neto mais moço perguntou a minha filha: ‘O que é que o vovô faz?’  E ela: ‘Ele é um contador de histórias.’  Para que o menino entendesse, teve de dizer que trabalho na TV, o que não é verdade.  Desculpem a chateação, mas estou muito triste.”

“O QUE É A ÁGUA? UMA ANEDOTA DE FOSTER WALLACE

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Eis porque gosto de ler aos meus alunos, no início de cada ano académico, uma passagem de um discurso apresentado por David Foster Wallace aos finalistas do Kenyon College, nos Estados Unidos. O escritor — morto tragicamente em 2008, aos quarenta e seis anos —, em 21 de Maio de 2005, conta aos seus alunos uma breve historieta em que são magnificamente ilustrados o papel e a função da cultura:

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”Dois jovens peixes vão nadando, e a certa altura encontram um peixe já velho que vai em sentido oposto, lhes faz um gesto de saudação, e diz: “Vivam, rapazes. Que tal está a água?”. Os dois peixes jovens nadam mais um pouco, e depois um vira-se para o outro e diz: “Que raio de coisa é a água?””

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O próprio autor nos dá a chave para interpretar a sua história: “a essência da historieta dos peixes é, simplesmente, que as realidades mais óbvias, omnipresentes e importantes são muitas vezes as mais difíceis de compreender e de debater”. Tal como os dois peixes jovens, nós não nos apercebemos daquilo que é realmente a “água” em que vivemos cada minuto da nossa existência. Efectivamente, não temos consciência de que a literatura e os saberes humanísticos, a cultura e a instrução, constituem o líquido amniótico ideal em que as ideias de democracia, de liberdade, de justiça, de laicidade, de igualdade, de direito à crítica, de tolerância, de solidariedade, de bem comum, podem conhecer um desenvolvimento vigoroso.”

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— NUCCIO ORDINE (Calábria, 18 de Julho de 1958 — 10 de Junho de 2023), professor, filósofo e crítico literário italiano, in “A Utilidade do Inútil”, Faktoria K de Livros, Kalandraka Editora Portugal, 2017 (reimpr.), p. 31-32.

George Orwell: Por que escrevo.

George Orwell. Porque escrevo e outros ensaios.  Tradução Cláudio Marcondes. Companhia das Letras, Penguin, 2021     126p.

“Por que escrevo”: Orwell dá como justificativa da escrita o “puro egoísmo”, o “entusiasmo estético”, o “impulso histórico” e o “propósito político”.

“Todos os escritores são vaidosos, egoístas e preguiçosos, e bem no fundo de seus motivos há sempre um mistério. Escrever um livro é uma luta terrível e exaustiva, como o longo acesso de uma enfermidade dolorosa. Ninguém empreenderia nada do tipo se não fosse impelido por algum demônio, ao qual não se pode resistir nem tampouco compreender. Até onde se sabe, esse demônio é simplesmente o mesmo instinto que leva um bebê a berrar por atenção. E, no entanto, também é verdade que não se pode escrever nada legível a não ser que se lute constantemente para apagar a nossa própria personalidade. A boa prosa é como a vidraça numa janela. Não posso afirmar ao certo quais dos meus motivos são os mais fortes, mas sei qual deles merece ser seguido.” (p.19)