
Marta Morais da Costa
Noites de lua cheia costumam guardar surpresas e desconfortos. Que poder tem a lua sobre as expectativas humanas e o bem estar das pessoas? Uma hipótese: a luz que afasta a noite e quase traz de volta o dia aviva a sensibilidade. “Venha ver, fulano, que lua!” “Peraí, deixa eu pegar o celular…” “Que foto! Vai lá pro face!”, “Lindaaa!”
É nos olhos voltados ao alto que a lua se mira. Sou seduzido pela aura romântica e me contenho pra não tascar um beijo na minha ex, tão longínqua ao meu lado. Ah, o jantar! E o vinho, então? A luz da lua clareou-me: tudo armação pra me fisgar outra vez, conclui um pequeno lúcifer cerebral. Fecho os olhos, apago a lua e volto a meu lugar na mesa e ao meu prato perfumado pelo alecrim e colorido pelos acepipes.
Acepipe? É o vinho novamente. Emerge num clarão o verso drummondiano: “mas essa lua, mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo!”. Taí: um leitor não cai tão fácilmente na rede de intrigas. Na verdade, ele cai mais facilmente das nuvens do que do terceiro andar. Agora baixou o irônico Machado. Vou parar, antes que a biblioteca comprima um pouco mais o que sobrou de meu cérebro.
As noites costumam pregar peças cômicas de um ato ou originar uma imensa tragédia em cinco atos, prólogo e epílogo! Acima de tudo, elas carregam em seu útero medos e mortalhas, luzes e solidões. A noite chega e os mistérios se expandem.
Experimente, leitor, marcar um evento qualquer enquanto o sol aquece e os pássaros cantam. E marcar o mesmo evento nas horas em que as galinhas dormem. Casamento, por exemplo. Uma amiga de muitos anos casou de manhã. Os convidados chegaram atrasados, com cara de despertador e boca de café tomado às pressas. Nem o almoço prometido e avisado botou o ânimo pra cima. Ao contrário: os convidados comeram e voltaram pra casa rapidinho, pra terminar o sono interrompido. Nem mesmo as crianças se divertiram. Pensavam brincar antes dos comes, mas os pratos corriam o risco de esfriar. Esperaram brincar depois dos bebes, e os pais se mandaram para o lar aconchegante.
Ah, mas casar à noite tem mais encantos! Dorme-se à tarde, come-se um lanche, porque o jantar vai demorar infalivelmente. Dá tempo de deixar o terno impecável, de escolher a gravata, de combinar sapato e meia. A acompanhante passa o dia no salão e retorna irreconhecível! As crianças ficam elétricas, energizadas pelas expectativas da noite sem hora pra acabar. Até o branco do vestido da noiva fica mais branco! E o futuro maridão adquire uma respeitável face responsável (mesmo que a festança depois acabe por fazê-lo parecer um adolescente cheio de malícias e vontades).
Casar à noite tem a ver com pecados supostos e cenas eróticas ardentemente entrevistas e desejáveis: e não penso apenas nos noivos. Os convidados, movidos pelo mito das cinderelas e príncipes guerreiros, parecem prometer cenas das mil e uma noites em curtas passagens por camas burguesas. Ah, casar à noite é pedir luas cheias, brilhos nos olhos, surpresas e armadilhas…
Lembro-me, antes de beber mais um copo de vinho, que me casei em noite de Superlua. Deu no que deu. Continuo a fazer fotos para o face e nem vejo a face da ex, obnubilada pelo porre homérico em andamento.
A vida, triste quimera, devora com suas cabeças horrendas qualquer frágil vislumbre de felicidade existente neste solitário descasado. Antes que meus olhos se fechem para o clarão da lua, lembro mais uma vez a esplendorosa noite de verão, o céu estrelado, a brisa suave, sons de valsa nupcial e uma enorme bola de prata a sorrir cinicamente lá no alto.