
Marta Morais da Costa
Se pudesse, passaria o dia todo sorrindo. Não porque fosse uma otimista, mas porque seus dentes eram perfeitos, brancos como a neve ao cair. Os músculos faciais, ao se retesarem para formatar aquela expressão de completo acordo com a vida, faziam sobressair as maçãs do rosto, em puro veludo rosa. A pele esbanjava brilhos e os olhos executavam uma ciranda caprichosa e franca. A cabeça parecia ganhar altura e o corpo repousava em uma postura ao mesmo tempo sem tensões, mas atenta, como que à espera do correspondente sorriso alheio, receptivo, admirador, concordante.
Sorrir era sua arma de conquista, sua alma exibicionista. Era um cartão de visita e a mensagem de ocupação do espaço-tempo do contato, da conversa, do centro da roda.
Sorria segura, ocultando atrás das retinas um cérebro de observadora, de cientista, de dissecadora de cobaias. Armadilhava o sorriso e capturava detalhes e reações que, de imediato, selecionava e arquivava na memória. A surpresa de quem a considerava apenas mais um exemplar de fêmea. A admiração de quem inscrevia em sua pessoa o sinete de mulher perfeita. A explosão emocional em quem o rosto em movimento elevava o enlevo ao grau mais absoluto de amor à primeira vista – melhor, ao primeiro sorriso. A contida inveja de possíveis rivais estraçalhadas entre o reconhecimento da força de sua presença contente e a autopiedade pela revelação dos próprios defeitos. Mais que todos, sobressaía o olhar hipnotizado do esteta no momento em que descobria a sua frente uma Vênus renascida ou Galatéia retirada da pedra informe.
Sorria e amealhava reações. Sorria e alimentava-se com a adjetivação superlativa que coalhava o chão imaginário em seu redor. Sorria e vampirizava a existência alheia, sobrevivente.
Veio o tempo em que o sorriso fixou-se. Não aceitava que ele desaparecesse do espelho em que, estática, se contemplava. Recusava posar para fotos em que só ou acompanhada não pudesse irradiar o sorriso complacente com a posteridade. Sentava-se à mesa, desdenhando ações mortais de comer e beber: passava as refeições entre líquidos sorvidos entre lábios distendidos e garfadas-relâmpago a justificar um mastigar risonho. Adormecia somente após certificar-se que o rosto ainda encenava a alegria de permanecer sorridente na cabeça pousada sobre o travesseiro.
Para todos, era a Miss Simpatia perfeita nos primeiros encontros. Aos poucos a fixidez inalterada do sorriso emitia sinais de complacente e pegajosa aceitação de tudo. Em pouco tempo, o sorriso assemelhava-se a uma máscara a desdenhar da realidade e a qualificação de indiferença e desprezo pela dor alheia colava-se ao ricto facial. Ela envelhecia em uma ilha de solitude.
O sorriso que atraía era o mesmo que afastava. Seu senso de observação passou a exigir mais aproximação, mais empatia. Passou a exercitar os músculos para compor expressões de afeto, de compreensão, de consideração para as histórias de outros. O sorriso, antes fixo, começou a apresentar fissuras e desalinhos. Na desarmonia do rosto não mais imperava a atração. Abria-se o confronto com a repulsa.
Sorria automaticamente para os pedidos de ajuda, para as queixas de amor, para as notícias de luto, para as urgências da fome, para as descrenças e desesperanças. Quem se aproximava dela era recebido pela mecânica irrefreável de um sorriso petrificado. Por dentro, ela se contorcia em impossíveis mudanças da face: queria gritar sua compaixão, despejar suas lágrimas, estender-se em ouvidos solidários.
Em vão. A solidão alargou-se em profundo isolamento.