Marta Morais da Costa
Da janela do apartamento, ela era visível na esquina do outro lado da rua. Nem os moradores mais antigos sabiam quem a havia plantado, ou quando. Talvez fosse uma remanescente de antigo bosque, arrasado para que casas e prédios surgissem no local.

Ela significava o melhor antídoto contra a rotina, a pressão do trabalho, a consciência da morte. Eu e ela nos olhávamos, companheiras, ao longo do dia. Uma festa de diferentes sensações. Ver a dança suave dos galhos ao movimento da brisa ou frenética no tempo da tempestade. Admirar o brilho do sol em milhares de pontos de luz em suas folhas. Sentir a sombra protetora em dias de canícula. Acompanhar as cores cambiantes seguindo o movimento do sol e das estações, tal um Monet vivo, urbano e intermitente na afirmação de sua maturidade.
Ela dominava majestosa a esquina de ruas que talvez nem existissem em sua mocidade. Mas casas e edifícios trouxeram pessoas. Pessoas trouxeram seus automóveis e a esquina trouxe um cruzamento de muitos acidentes. Este foi seu decreto de morte.
Como nas histórias, um dia – nada belo – chegaram os caminhões com seus operários e motosserras. Caíram primeiro os galhos mais altos, mais jovens. Em sua indesejada nudez, o tronco não dançava, nem brilhava, imóvel em cores e espanto. Esquartejá-lo foi questão de horas.
No lugar onde outrora existira uma imponente chau-chau, restou a ruína de uma saliência na calçada.
Na esquina, agora sem obstáculos visuais, os acidentes de trânsito continuam a acontecer.