Uma casa à sombra

Foto por Engin Akyurt em Pexels.com

Juro que só passei aqui para ver o estado de nossa casa. Há tanto tempo que a gente deixou de morar nela, não é? O jardim está meio abandonado. Lembra o cuidado que tínhamos em aparar a grama, limpar as ervas indesejadas, plantar e replantas as flores?

Não esqueço os momentos em que, juntos, cuidávamos de tudo, horas a fio, conversando, fazendo planos, adubando, comentando o cenário político, podando, repassando a programação do dia seguinte. O trabalho rendia e sentíamos a cooperação tomar forma.

A casa branca de janelas azuis era acolhedora e alegre. Não descuidávamos dos detalhes: a pintura, os consertos, as portas abertas e, lá dentro, o perfume da limpeza e a claridade do acolhimento.

O quintal era nosso lugar de criação. A horta, o viveiro de plantas, as frutas pendentes, as flores anunciadoras da produção que se gestava. A sombra, o silêncio, a cômoda espreguiçadeira ao lado da rede colorida. O ruído das folhas no chão, a umidade do solo e a vida verde pacífica.

Quando foi que perdemos tudo isso? Foi naquele Natal frustrado? No Dia dos Namorados em que o amor bateu cabeça no umbral da porta e desfaleceu? No dia de minha demissão em que palavras acres e duras tentaram compensar a frustração? No final de semana de ciúme violento em que minha mão encontrou sua pele com a força da vingança? Nas manhãs de noites sem amor nem carinhos? No silêncio de bocas fechadas à força pelo sentimento de aridez e solidão? Na indiferença cotidiana que aos poucos ocupou os minutos sem fim?

Perdemos, deixamos sumir, indiferentes vimos transformarem-se o afeto e a cumplicidade. Em seu lugar, a fria indiferença, palavras geladas em coração ainda quente. Sem tentações, sem frestas, sem fugas: só o progressivo abandono do que parecia ser a inamovível felicidade a dois.

De repente, a troca ácida de frases e de mágoas adormecidas. Fomos vítimas e algozes de nossa própria incúria e soberba. Nada ficou sólido o suficiente para contornos ou retornos. Seguimos em frente (em frente?) separados, isolados e desolados.

Do outro lado da rua, olho o jardim em desmazelo. Olho em mim em desalento. Olho o passado em imagem desmaiada. A casa reluz em branco e azul, portas fechadas, janelas abertas de onde jorram cascatas de trágico Chopin.

A música ambienta a certeza de que o quintal, inacessível aos olhos, resiste em alguns pontos de sombra e verde (resistente à total destruição). O aroma doce das frutas parece permanecer. Talvez seja o desejo de que nem tudo seja desaparecimento.

No canto mais à sombra no jardim, me parece distinguir teu vulto esbelto, as mãos camponesas e carinhosas, o riso fácil, o olhar afetuoso. Em vão.

Continuo o caminho. Sei agora que não retornarei a ver a casa. Seu coração deixou de bater neste exato momento. Ela permanece branca e azul, como um cadáver.

Agora a solidão engolfa a a tarde.