Um lugar de beleza para os livros

Marta Morais da Costa

Espaços são fundamentais para a construção e entendimento de nossos afetos: a casa natal, a cidade de que gostamos, a serra que nos perturba, o rio que nos transporta  e ensina, o pedaço de terra que abriga e alimenta as plantas que nos encantam, a árvore bordada pelo céu azul e que acalenta um ninho de pássaros, o céu – com ou sem estrelas – aonde voa nossa imaginação para terras distantes e sonhos de verão. Até o banco de jardim na praça que testemunhou conversas e afetos é fundamental.

Os falantes de latim nos legaram o termo “situs”, uma palavra que apontava trilhas de sentido em três direções: “posição, local, situação”. E cá estamos nós hoje a aplicar o vocábulo herdado também em diferentes construções e produzindo significados diversos. Antes da invasão do inglês site, já convivíamoscom sítios múltiplos.

Sítios da infância, onde testemunhei a semeadura transformada no milagre da colheita, onde aprendi a ligação umbilical com a terra, útero inegociável dos camponeses. Onde o gado, que demoradamente se apraz em gastar seu dia, recolhe a seiva que encherá úberes e canecas em refeições compartilhadas e abençoadas. Sítios em que colhi, sem ter plantado nem cuidado, as uvas que até hoje perfumam minha lembrança. Sítios de roças simples e gente corajosa. Sítios de animais em comunhão com homens e mulheres atentos, mas também atenciosos. Sítios da infância livre em comunidades que se esforçavam em esconder mazelas e praticavam a convivência utilitária e solidária.

Sítios arqueológicos que a vida foi multiplicando em mapas, viagens e olhares. Lugares de arte, de meditação, de leis e reis, de oração e de outras convivências, transformados em passagem de turistas apressados em busca de emoções passageiras e ohs e ahs rapidamente esquecidos, principalmente quando não foram registrados em telas e papel glossy.

Existe um sítio, porém, amálgama de todos esses aí acima, que me perturba, atravessa, comove e desentranha. É o espaço, o lugar, o ambiente, a posição, a situação: o sítio pleno. Espaço, cenário, alimento, anseio e dúvida: é a biblioteca. Local em que o turismo é exceção, em que o pensamento é alicerce, em que a leitura é o cultivo e a cultura. Ambiente de convivência igualitária entre vivos e já desaparecidos. Pessoas que abandonaram na Terra carne e ossos, mas legaram livros que são a presença pensante delas à espera de ressurreição pelos leitores.

Quando uma biblioteca manifesta em pedra, cores e formas a beleza e a maravilha que é um sítio que abriga livros, não tem como fixar os olhos até lacrimejarem, desejar voluptuosamente tocar os livros, os armários, as escadas para que o tato absorva, também ele, essas presenças pensantes.

Na história viciante de um leitor assíduo e amoroso, não há sítio mais lindo do que uma biblioteca. Não há.

Rossana Uba, a Mensageira, acaba de visitar uma delas. a Biblioteca do Mosteiro dos Monges Beneditinos de Admont, na Áustria e tornou meu dia mais belo, mais reconfortante, mais esperançoso. Espero que o mesmo aconteça com meus leitores, pois vou repassar uma das fotos que recebi em mensagem de amizade.

Que a semana tenha para nós a beleza deste sítio de livros: arte, sol e uma história pulsante.

Foto Rossana Uba