Ela havia aprendido que “só pelo amor vale a vida”. Ela associava a luminosidade da noite, com suas vias estreladas, as pratas lunares, a brisa noturna, aos escurinhos, às declarações de amor, aos gestos e aos corpos em contato. Criava cenários com rosas/lírios/dálias e verbenas/lavandas para perfumar em cômodos íntimos as descobertas do amor.
Não recusava olhares e palavras, desde que viessem acarinhados por afetos apaixonados e loucas imagens dos sentidos desatados em circunvoluções e redemoinhos em homenagem aos amantes.
Imaginava canções pragmáticas e hinos simbólicos ou realistas ao amor em todas as idades. A sonoplastia e a coreografia ficavam à escolha e ao pendor voluptuoso dos pares em danças em louvor a Afrodite, ou se o leitor preferir, a Vênus, em especial a Calipígia.
Quem é esta? De imediato esta escriba, em seu dedilhamento internético, vai buscar uma explicação que esclareça os leitores menos afeitos à estatuária grega. A cronista por vezes perturba a leitura com suas citações meio enigmáticas e com fumaças eruditas. Daí que sua dublê escrevente tem que fazer hora extra e trabalho fora de contrato para não deixar os poucos leitores dos textos da dita cronista sem um apoio para a compreensão da crônica.
Vênus ou Afrodite Calipígia “é uma famosa estátua romana antiga de mármore, que se acredita ser uma cópia de uma original grega mais antiga Seu nome significa literalmente “Vênus (ou Afrodite) das belas nádegas”. A estátua representa uma mulher seminua levantando seu peplo diáfano para cobrir seus quadris e nádegas enquanto olha para trás por cima dos ombros, talvez para admirá-las. O tema é convencionalmente identificado com a deusa Vênus, mas é igualmente possível tratar-se de uma mera mortal.”

Em meu passeio pela Wikipédia, passei de um olhar retrospectivo para um pedido de socorro a informações mais pé-no-chão sobre um uso mais científico e objetivo do nome dessa deusa e encontrei uma versão masculina para formar o par romântico. Um planeta.
“Vênus é considerado um planeta do tipo terrestre ou telúrico, chamado com frequência de planeta irmão da Terra, já que ambos são similares quanto ao tamanho, massa e composição. Vénus é coberto por uma camada opaca de nuvens de ácido sulfúrico altamente reflexivas, impedindo que a sua superfície seja vista do espaço na luz visível.”
Rabisquei os dois fragmentos explicativos em um perfumado papel de carta cor-de-rosa e enviei para ela, a enamorada, a que está em devaneios de amor perfeito. Para a cronista, mandei duas mensagens de whatsapp com os fragmentos encontrados a título de colaboração.
Nenhuma das duas declinou recebimento. Esta escriba aos poucos está se acostumando aos apagamentos de mentes obcecadas de amor e ao descaso de cronistas auto-confiantes.
Para minha total surpresa, chegou-me hoje às mãos, em artístico papel linho, a seguinte mensagem – já devidamente enviada à cronista:
Senhora escriba:
recebi sua mensagem com a informação sobre as duas Vênus, a feminina e a masculina.
Confesso que me comovi ao descobrir que minha crença inabalável no amor também contemplava um par de seres deste mundo: uma estátua e um planeta – não poderia ser uma planeta, já que a palavra termina com vogal feminina? A presença da deusa do Amor nomeando as duas existências só vem comprovar que estou certa em imaginar cenas e cenários dominados pelo afeto amoroso.
Agradeço.
(a) Ela
A cronista até hoje não havia se manifestado.
Eis senão que recebo um e-mail – formato já meio em desuso, atestando a possível idade provecta da autora cronista.
Prezada senhora escrevente,
venho lhe comunicar que terminei de redigir esta crônica e solicito que seja devidamente registrada em palavras e frases, parágrafos e pontuação, da forma que vai anexa a esta mensagem.
Sem mais, reitero meu desejo de que não seja alterada nem uma vírgula do que escrevi. E declaro extinto nosso contrato.
(a) Cronista
Reproduzo, conforme recebimento:
Ela era uma romântica inveterada. Passava noites à janela, admirando a Lua, a chuva, as estrelas. E pedia às entidades celestes que a abençoassem com um amor, mesmo que frágil, mas infinito enquanto durasse.
Seus pedidos se intensificavam quando brilhava no céu a Lua azul. Como os astros são indiferentes aos desejos humanos, os anos se passaram, ela se cobriu de rugas e cabelos brancos, mas o amor não bateu à sua porta.
Em noites de Lua cheia, é possível distinguir seu perfil na janela do apartamento do pequeno e envelhecido prédio, hoje cercado de altos edifícios que lhe roubaram até a visão sem horizontes da Via Láctea e da Lua de diferentes cores.
Marta Morais da Costa
“once in a blue moon”…um mito, um sonho distante, um evento raro, um baile celeste…
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Belo, belo.
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