Marta Morais da Costa
O zumbido havia se transformado em pesadelo. Começara mansinho, como um chuvisco seco, muito distante. Aos poucos havia ganho corpo, peso e estridência. Em momentos imprevisíveis emitia silvos ensurdecedores.
Médicos, havia consultado seguindo, um a um, toda a lista do catálogo do plano de saúde. Alguns consultórios modernos e bem equipados e outros, a maioria, nem tanto. Diagnóstico? Mudava mais do que o tempo no outono, Estresse, surdez chegando no horizonte, uso excessivo de fones de ouvido, problemas nos rins, no esôfago, no labirinto. Talvez um câncer.
De consultórios a laboratórios, o tempo passando, o trabalho no escritório beirando o caos, a conta bancário minguando, o patrão reclamando e a mulher, já desamorosa, tu tá é com manha, querendo nem trabalhá.
Em 45 dias, estava no olho da rua, sem mulher, sentindo pegajosas as caras de consternação e compaixão de parentes e vizinhos.
O zumbido agora orquestrava. Graves e agudos, colcheias e semi, uma disputa acirrada com o canto dos pássaros e a grita da criançada. Ouvir música parecia um dueto desafinado e em ritmo descompassado.
Certa noite, vozes indistintas travavam conversas intermináveis que começavam no vestíbulo do ouvido e só silenciavam nos escaninhos do cérebro. Alguns dias mais e as vozes altercavam com risos e assobios.
Evitava sair à rua: confundiam-se os sons dos automóveis com o roncar de algumas vozes sonolentas. Temia ser atropelado e, se sobrevivesse, saber que havia incorporado sons de freadas e ranger de rodas.
Surpreendeu-se um dia prestando atenção no diálogo entre as vozes interiores e saber que trocavam informações e prognósticos sobre sua pessoa. Ah, o Alfredo está achando que não existimos, que somos ruídos em seus ouvidos. Deixa o bobo pensar assim; de todo modo ele não vem nos perturbar. O tonto pensa que é doença: sabe nada. E as vozes altercavam-se e criavam novas avaliações sobre ele.
Em cada dia riscado na folhinha, debates e acusações, risos de escárnio e prognósticos de aniquilamento. Ele ouvia tudo e nem duvidava. Estava mesmo vivendo mais os outros dentro de si do que a vida pulsante fora de sua cabeça.
A batida na porta tirou sua atenção da interioridade. A bela mulher que o mirava do outro lado da porta aberta só queria algumas respostas ao questionário sobre a relevância de se construir um shopping nas imediações.
Os olhos negros, no entanto, lhe pareceram familiares. Talvez uma amiga da ex, talvez uma passageira do metrô do tempo em que trabalhava, talvez alguém da televisão.
– Senhor Alfredo, como vai o zumbido? Melhorou com as vozes? Nós somos mesmo muito tagarelas, não?
Lá dentro, no fundo do cérebro, uma voz se fez ouvir:
– Irene, volte para casa! Deixe de brincar de pesquisadora!
Foi então que descobriu: o zumbido jamais partiria. Era agora sua anulação.
Ele se perdera nos outros.









