SALA DE ESPERA

Marta Morais da Costa

Ela aparentava 35 anos, mas seus olhos baixos e nervosos a convertiam em uma anciã. O corpo moreno franzino, as costas eretas, a cabeça em contínuo movimento e as mãos a remexer papeis, revistas, folhetos de publicidade desfaziam a velhice em agitação quase infantil.

A sala de espera do consultório estava vazia, exceto pelo funcionário, atento à tela do computador e com o telefone colado à orelha. Falava e escrevia simultaneamente com domínio perfeito de corpo e máquinas.

Quando a mulher loira entra, com ela também entra o ar abafado do corredor. O ar refrigerado da sala de espera é uma ilha de bem-estar. A loira dirige-se imediatamente à mesa do atendente:

– Boa tarde! Meu nome é Helena Ricordati. Tenho consulta marcada com  dr. Artur para as 15 horas.

– Boa tarde, senhora! fala o rapaz enquanto confere a agenda no computador. Por favor, queira sentar-se e aguardar.

– Sei que cheguei cedo demais, mas não quis perder a carona com meu marido que vinha nesta direção. Aguardarei. Sem problema.

Senta-se de frente para a outra mulher. Toma uma revista como um álibi. Folheia vagarosamente e entre uma página e outra lança um olhar curioso para a companheira de espera. Quem será? como vive? de que sofre? indaga-se interiormente.

Faz sempre assim: as outras pessoas são mistérios a serem desvendados.

Numa coincidência, os olhares se cruzam. Helena não perde a oportunidade:

– Está quente hoje, não?

– Hum, hum…  e um movimento afirmativo de cabeça.

Mulher de poucas palavras, pode ser até antissocial. Helena a classifica de imediato.

– A senhora é cliente do dr. Artur há muito tempo?

– Não. Primeira vez.

– Ah, mas a senhora vai gostar muito dele. É competente, simpático, atencioso…

– Que bom! fala a morena como um ponto final da conversa.

Helena volta à revista: o que será que ela tem? gravidez? cólicas estomacais? endometriose? quem sabe câncer? A loira busca examinar furtivamente a outra. Descobre na palidez, a possível anemia. Nos olhos que teima em olhar para o chão vê a depressão. Nas mãos amareladas, a hepatite. Na respiração por vezes fora de ritmo, o temor de uma gravidez indesejada.

A loira cria diagnósticos desenfreadamente. Fosse realidade tudo o que atribui à outra,  seria um catálogo de doenças à espera do veredito fatídico.

– A senhora mora aqui? Em que bairro?

– Sou de outro estado.

Ah, ah! Veio em busca de uma clínica de aborto. Ou de um tratamento mais barato. Helena volta a lançar hipóteses como um alarme dispara ao ser acionado.

– Eu gosto muito desta cidade. Nasci e cresci aqui. Conheço muita gente e muitos lugares. Só não conheço esses bairros novos. São tantos e nascem como plantas parasitas. Parece que toda semana tem um novo. Tem muita gente chegando para morar aqui.

-É, pois é.

Deixa ver: morena, magra, calada, de passagem, nervosa, em um consultório médico. Deve ser alguém que quer esconder uma doença. Já sei: é câncer mesmo! Ou quem sabe leucemia…Pode morrer em breve. Coitada! Este corpo frágil já anuncia…

A porta do consultório se abre, dr. Artur aparece, ainda sem jaleco e se dirige à mulher morena:

– Então, dona Bárbara, o dr. Argolo mandou o recibo dos honorários dele? Sim? Então entre, por favor, enquanto faço o cheque.

Helena, um tanto decepcionada, fecha a revista. Que pena: era mais interessante se fosse leucemia…

Busca outra revista, pois a porta do corredor deixa passar a figura alquebrada de uma idosa, magérrima, exalando aroma de flores de cemitério.

Desta vez não tem erro, pensa. Folheia a revista, pronta a reiniciar o processo de desvendamento do mistério e disposta a não perder desta vez as palavras e a caminhada rumo ao patíbulo da Maria Antonieta chegante.

Satisfeita por poder voltar a exercer seus dotes de interpretação conclui: ainda bem que só tenho uma gripezinha.