Quarentena 3

“Eu canto porque o instante existe”

na voz de Cecília, a que não mais vê,

mas continua a cantar.

Canto porque temo,

temo porque vejo

a derrocada ao redor.

Canto porque sucumbem

o decoro vetusto,

a ansiada harmonia,

o áureo respeito.

Canto porque inacessível

está o toque, o abraço,

a troca afetuosa

de gestos que acolhem.

Canto porque, no silêncio

da solidão, a palavra

explode incontrolável.

Canto porque a noite

ainda não se fez fatal.